Carta Mensal – junho 2023

“Arcabouço fiscal: melhor do que se temia, pior do que o ideal”

Claudio Adilson Gonçalez

Logo nos primeiros dias de maio, houve decisões bastante importante tanto no mercado financeiro internacional quanto no mercado local. Nos dias 02 e 03 de maio o FOMC, Federal Open Market Commitee, órgão do FED (Banco Central Americano) que rege a política monetária dos Estados Unidos, votou unanimemente para aprovar um aumento de 1/4 ponto percentual na taxa de juros primária (FED funds) para 5,25%, atingindo assim a taxa máxima em 16 anos. Já no Brasil, no mesmo dia, o COPOM, Comitê de Política Monetária do Banco Central, manteve a taxa Selic, taxa básica de juros no país, em 13,75%. Apesar dos níveis elevados das taxas de juros, guardando as devidas proporções, os efeitos foram neutros e/ou relativamente positivos ao longo do mês, pois ambas as decisões já eram amplamente esperadas. O que move os mercados financeiros são as expectativas, portanto, o importante no momento será analisar as tendências, nestes casos mais especificamente, se e quando as taxas de juros vão começar a cair.

A expectativa da taxa de juros básica americana é que pare neste patamar, ou no máximo tenha mais um aumento de 0,25%, entretanto, os mercados futuros de juros projetam que ela não ficaria neste nível por muito tempo e já começaria a ceder no final de 2023. Este é um importante ponto de divergência com os principais economistas, pois estes últimos acreditam que a taxa dos FED Funds terá que permanecer elevada por mais tempo para efetivamente conseguir conter a inflação e levar para o patamar da meta de longo prazo do FED que é de 2%. O último dado de índice de inflação medido pelo CPI (Consumer Price Index) foi de 5% em 12 meses, mas vindo de um pico de 9% atingido em meados do ano passado. Alguns poderiam indagar que a taxa de juros real, isto é, a taxa de juros descontada a inflação, ainda estaria muito baixa ou quase nula dado o nível atual da inflação. Mais uma vez, o importante aqui é a expectativa de inflação futura (ex-ante) e sua tendência. Assim sendo, espera-se que a taxa de juros real ex-ante seja entre 1% e 2% ao ano para o próximo período. Por curiosidade, ex-post é a medição e comparação dos índices após terem ocorrido e sido divulgados.

Warren Buffet já dizia que“os juros estão para os preços dos ativos como a gravidade está para a maçã. Eles alimentam tudo no universo econômico”. Um interessante estudo da revista The Economist mostra que nas economias do mundo desenvolvido um aumento de um ponto percentual que as companhias não financeiras têm que pagar nos juros de suas dívidas reduz em quatro porcento o lucro agregado delas. Não foi outro motivo (expectativa do aumento de juros) que causou o “choque de realidade” nos preços dos ativos dos mercados desenvolvidos no ano de 2022. Um outro dado importante, é que as empresas destes países, principalmente as de grau de investimento, ou seja, as grandes corporações com boa qualidade de crédito, possuem dívidas em sua maioria pré-fixadas, portanto, sentem o efeito do aumento da taxa de juros somente no momento de renovação de suas dívidas.  Entretanto, uma parcela significativa de empresas que não possuem grau de investimentos, chamado também de grau especulativo, para baratear o custo da dívida em momentos de taxa de juros baixa, contratam taxas flutuantes que oscilam de acordo com o sabor do mercado. Principalmente aquelas ligadas ao setor de private equity (P.E.) que possuem graus elevados de alavancagem para acelerar o seu crescimento sentem mais os efeitos do aumento dos juros. Importante destacar que grau de alavancagem das empresas investidas pelos P.E. no Brasil são bem menores e consequentemente suas estruturas de capital diferem bastante em relação às suas congêneres americanas e europeias. O motivo desta diferença será explicado mais à frente.

No mês de maio houve também bastante ruídos político-econômicos tanto nos Estados Unidos quanto aqui no Brasil, mas que no final do dia, não tiveram impactos negativos no mercado. Nos Estados Unidos, o Congresso americano e o executivo resolveram “jogar” com a questão do aumento do teto da dívida americana, até os quarenta e cinco minutos do segundo tempo, o Chicken´s Game (cuja tradução seria o jogo do covarde) imortalizado por James Dean no filme Juventude Transviada (Rebel without a cause). Nos últimos dias de maio, o governo americano apresentou uma proposta para prorrogação do limite do teto da dívida e nos primeiros dias de junho o congresso votou a regra, evitando assim, o armagedon financeiro que seria o não pagamento dos compromissos do governo americano e possível calote da dívida.

Por aqui, como comentado, tivemos alguns ruídos como a desastrosa tentativa de alteração do marco do saneamento, que foi derrubada pelo Congresso e propostas de reversão de privatizações que também não tiveram êxito. Desta maneira, o que dominou o cenário político-econômico foi a aprovação do arcabouço fiscal pela Câmera dos Deputados e seguindo assim para votação no Senado Federal. Houve no Congresso melhorias da norma, mas como muito bem colocado no artigo de Claudio Adilson Gonçalez no jornal Estadão, a última versão da norma foi melhor do que se temia, mas pior que o ideal. Diferente da regra atual do Teto de Gastos cujo mérito principal é a sua simplicidade, o novo texto é um tanto confuso, principalmente no que diz respeito ao crescimento das despesas de 2024, permitindo ao governo gastar mais no primeiro ano. De qualquer forma, a preocupação com a responsabilidade fiscal e com o crescimento da dívida pública, algo muitas vezes deixado de lado, será o ponto chave para redução dos juros de longo prazo e de forma consistente.

Independentemente da forma com que se olha, ex-ante ou ex-post, a taxa de juros real no Brasil atualmente é a maior do mundo, sendo maior que o dobro do segundo colocado, o México. Sabe-se que este nível de taxa de juros real é insustentável no longo prazo, pois o país não tem condições de gerar superávit primário ou crescimento econômico para pagar o serviço da dívida tão elevado e mantê-la em patamar adequado. Como ressaltado na frase de Warren Buffet acima, a taxa de juros elevada faz com que a bolsa de valores siga depreciada apesar de valuations atrativos nominais e relativos, isto é, comparado com outros mercados. Entretanto, com a renovada expectativa de redução das taxas, tanto apresentada no mercado futuro de juros, quanto projetada pelos economistas através das pesquisas do Boletim Focus do Banco Central, a bolsa de valores apresentou uma valorização de 3,74% em maio, após uma recuperação de 2,5% em abril e continuidade de alta nos dois primeiros dias de junho.

A visão geral de alguns gestores de investimentos corrobora esta perspectiva mais otimista para os ativos de risco (bolsa, câmbio e juros). Tivemos na semana passada três interessantes apresentações: i) a primeira de um gestor de ações, Tarpon Investimentos, mostrando como enxergam o Brasil, que apesar dos desafios, possui setores e empresas que devem entregar retornos atrativos no médio e longo prazo, haja vista que são peças importantes no cenário global, como players no agro, energia, infraestrutura. ii)No dia seguinte houve a apresentação anual da Verde Asset que ressaltou o momento de inflexão dos ativos brasileiros com a perspectiva redução de juros, mesmo que em patamares elevados, sendo o fator mais relevante a tendencia de queda dos juros. iii) Por fim a Spectra Investments, gestora de fundo de fundos de private equity, em sua segunda conferência anual reuniu mais de quarenta empresas que puderam mostrar um pouco sobre suas teses de investimentos e desempenho.

Nesta conferência, os gestores da Spectra mostraram alguns dados bastante interessantes da indústria de P.E. no Brasil. Um deles é que as empresas no Brasil são menos endividadas que as empresas listadas em bolsa de valores. Esta característica peculiar do mercado brasileiro se dá pelo fato das taxas de juros estrutural no Brasil serem elevadas fazendo que empresas menores tenham maior dificuldade de acesso ao crédito e quando conseguem acessar os custos são bem mais elevados do que aquele comparado com as grandes corporações, tornando-se muitas vezes “proibitivos”. O mercado desenvolvido, por outro lado, passou um longo período de taxa de juros nominais bastante baixa e taxa de juros real muitas vezes negativa. Isto gerou uma oferta de crédito abundante inclusive para empresas menores, pois os bancos, estruturadores e investidores de dívida poderiam receber yields (taxas) melhores com tais empréstimos.  No próximo ciclo, devemos observar um “efeito espelho” no mercado das economias desenvolvidas, ou seja, uma desalavangem das empresas e uma melhor adequação da estrutura de capital entre dívida e patrimônio.

O outro dado diz respeito aos resultados dos fundos de Private Equity que são bem mais aderentes aos resultados e avaliação de preço justo das empresas investidas privadas do que a aderência dos fundos de ações em relação aos seus ativos subjacentes, que investem nas empresas listadas nos mercados de Bolsa de Valores. Isto é, mesmo que algumas empresas apresentam resultados consistente, a ação sofre o efeito com dispersão para mais ou para menos em relação ao preço justo devido as movimentações de compra e venda no mercado secundário. A liquidez do mercado secundário é uma boa e importante característica do mercado de bolsa de valores, no entanto, há um efeito colateral causado por este fluxo.

Este fenômeno é muito bem explicado pelo famoso e tradicional gestor da Oaktree Capital Management, Howard Marks em seus excelentes memorandos. No longo prazo, os investimentos devem convergir para os seus preços justos, no entanto, os investidores muitas vezes não agem de forma racional, pois fatores com o medo e a ganância e outros vieses comportamentais levam a estarem muito pessimista ou otimista fazendo com que os preços dos ativos de risco estejam subvalorizados ou supervalorizados em relação ao preço justo.

A Anbima registra periodicamente em seu site o fluxo de aplicações e resgates dos fundos de investimentos. Nos quatro primeiros meses houve resgates líquidos em torno de 6% do patrimônio dos fundos de ações que normalmente é composto por clientes finais pessoa física. Em teoria o objetivo dos investidores é comprar na baixa e vender na alta, entretanto, na prática apesar do simples conceito a sua execução não é nada trivial.

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