carta mensal

  • Carta Mensal – Abril 2023

    “March Market Madness”

    Barron´s

    March Madness não se trata aqui do torneio de basquete americano, mas sim do comportamento dos mercados financeiros no mês de março. O mês caracterizou-se por fortes movimentos nos mercados de risco tanto internacionalmente quanto aqui no Brasil.

    Março começou com a expectativa da necessidade do FED, Banco Central Americano, ter que continuar a subir a taxa de juros para patamares acima das projeções anteriores, isto é, sair de uma taxa terminal – taxa de juros de final do ciclo – do patamar mais baixo em torno de 5% ao ano para algo acima de 5,5% e permanecer neste patamar elevado por um período mais longo. Isto porque os indicadores de inflação no início do mês vieram acima do esperado e o mercado de trabalho ainda se mostrava bastante resiliente e, portanto, para conter o mal maior – inflação, haveria necessidade de aumentar a dosagem do “remédio amargo” dos juros.

    Todavia, no dia 9 de março, começaram as primeiras notícias de que a situação financeira do Silicon Valley Bank – SVB não estava nada boa e que havia uma corrida de saques dos correntistas com depósitos elevados no banco. Como a maioria dos depósitos no SVB eram superiores a USD 250.000,00 (valor máximo garantido pelo FDIC – Federal Deposit Insurance Corporation), algo em torno de 97% do total de depósitos não eram garantidos pelo FDIC, equivalente ao fundo garantidor de crédito no Brasil. Houve então uma fuga de recursos jamais vista em poucos dias. A velocidade das transferências foi potencializada pela tecnologia, pois atualmente bastam alguns clicks no celular para realizar as transferências dos recursos para outros bancos. Com isso o governo americano teve que agir rápido e num único final de semana conseguiu tomar algumas decisões importantes para conter a fuga de capital que já estava se alastrando para demais instituições de médio porte (para os padrões americanos) com o mesmo tipo de problema.

    Apesar do SVB estar voltado para o mercado de Startups, a essência do problema não estava relacionada ao mercado de tecnologia em si, muito menos a investimentos em criptomoedas ou algo do tipo, mas sim a investimentos em ativos muito seguros do ponto de vista de crédito realizados pelo banco com os recursos dos depositários. Os frequentes e elevados depósitos realizados em época de vacas gordas, principalmente em 2021, estavam sendo aplicados em títulos do governo americano assim como em ativos do mercado de hipotecas com grau de investimento. Entretanto, os ativos investidos eram de longo prazo e como as taxas de juros no mercado americano são basicamente pré-fixadas, eles começaram a perder valor com o aumento das taxas de juros e o prejuízo não realizado do banco aumentou exponencialmente. O descasamento entre os depósitos de curto prazo (passivo bancário) e as aplicações de longo prazo (ativos bancários) fez com que o banco se tornasse insolvente em um curto período.

    Do outro lado do atlântico, por motivos diferentes, na semana subsequente, um banco tradicional e com mais de um século e meio de existência começou a ser a “bola da vez”. O problema do Credit Suisse já se arrastava há bastante tempo e por motivos diversos: escândalos subsequentes, prejuízos elevados com operações pontuais, mas mal sucedidas como Archegos e Greensill, troca constantes do alta escalão. Todos estes fatores fizeram com que o banco fosse comprado pelo UBS, com a coordenação do governo suíço. Neste momento de escolha entre o menor dos problemas, pouco importou a concentração de mercado em um único grupo financeiro, mas sim em estancar rapidamente uma corrida no setor financeiro de grandes magnitudes.

    O colapso do CS teve forte repercussões no mercado de títulos de renda fixa mais arriscados de diversas instituições financeiras, principalmente na Europa: os CoCo (Contigent Convertble) bonds ou também conhecidos como AT1 (Additional Tier 1) bonds. O BrazilJournal soltou em 20 de março um artigo interessante com uma explanação, CoCo Bonds: agora dignos do nome.  Estes ativos foram criados após a crise de 2008 com o intuito de fornecer aos bancos a oportunidade de captar recursos no mercado de dívida sem comprometer o capital das intuições financeiras e atender as exigências das regras de Basileia. Resumidamente, o problema gerado pelas autoridades suíças no desenho proposto para “salvar” o CS foi a reversão da ordem de prioridades em relação aos acionistas, fazendo com que estes ativos fossem literalmente extintos, ou melhor, “zerados” em valor. Esta decisão foi bastante controversa, cabendo ainda uma provável e prolongada batalha judicial e fazendo com que autoridades de outras jurisdições tanto da Comunidade Europeia como da Inglaterra declarassem que não seguiriam o mesmo caminho tomado pelo governo suíço. Apesar das declarações das autoridades na tentativa de tranquilizar o mercado financeiro, a corrida para saber qual seria o próximo banco a ser a bola da vez continuou e os títulos perpétuos do Deutsche Bank sofreram fortes vendas, fazendo com que o primeiro-ministro alemão fosse a público para defender a saúde financeira da instituição.

    Como no dinamismo do “efeito borboleta”, a “quebra” destas instituições financeiras gerou um efeito inverso e bastante significativo nos mercados de juros futuro do governo americano, em especial os títulos de 2 anos. Como podemos observar no gráfico abaixo: os juros de dois anos estavam em franca ascensão atingindo o patamar acima de 5% e em apenas 3 dias teve uma fortíssima reversão causada pela preocupação da situação financeira dos bancos e fazendo com que a cotação caísse para abaixo de 4% ao ano.

    Os fundos multimercados brasileiros que já vinham operando fortemente as taxas de juros americanas, em sua maioria, foram pegos no contra pé e tiveram que rapidamente diminuir suas posições que em poucos dias saíram de resultados positivos e viraram prejuízos.

    Os mercados brasileiros, principalmente os multimercados conforme visto acima, foram afetados pelas oscilações das taxas de juros americanas e repercussões do mercado bancário internacional, no entanto, os efeitos dos fatores domésticos como a proposta do arcabouço fiscal e discussões sobre as taxas de juros influenciaram bastante tanto o mercado acionário quanto o mercado de crédito. Neste sentido uma proposta de uma ancoragem fiscal crível é condição fundamental para a valorização dos ativos de risco.

    Pelos motivos acima elencados, as classes de renda fixa apresentaram melhores rentabilidades e deverão ainda ser privilegiadas em detrimento aos ativos de risco apesar dos níveis de preços e prêmios atrativos neste patamar para o longo prazo. Portanto, seguimos com alocações táticas ainda alinhadas a posição com maior participação de renda fixa, e não vemos sinais de alteração de tal alocação no curto prazo. Por sua vez, dentro das subclasses de renda fixa, observamos espaço para alocação em inflação com prazos intermediários, reflexo do prêmio mais atrativo no momento.

     

     

     

     

     

     

  • Carta Mensal – Janeiro 2023

    “Fatos não deixam de existir porque são ignorados”

    Aldous Huxley

    As trocas no tempo são uma via de mão dupla: é aquela em que abrimos mão de algo no presente em prol de algo esperado no futuro”. Essa relação básica dos juros pode ser extrapolada para outras formas de investimentos, ações, imóveis, etc. Em seu livro o Valor do Amanhã, Eduardo Giannetti explica que a noção da realidade dos juros não se restringe ao mundo das finanças, como supõe o senso comum, mas permeia as diversas esferas da vida prática, a começar pelo processo de envelhecimento a que todos estão sujeitos. Desde criança já aprendemos de certa forma esta realidade com a Fábula da Cigarra e a Formiga que continua bem presente em nossas memórias.

    Morgan Housel, em seu livro a Psicologia Financeira, ensina aos leitores logo no início, com dois exemplos marcantes, a importância da disciplina de acumulação e preservação do capital no processo de investimentos. No primeiro caso, o autor nos conta o caso de um empresário de tecnologia que recebeu uma bolada pela venda de suas empresas, mas por ser perdulário acaba perdendo tudo por ações inconsequentes e por esbanjar o dinheiro, enquanto, que por outro lado, nos mostra o exemplo de Ronald Read, um frentista e faxineiro nos Estados Unidos, que também podemos nominá-lo como investidor e filantropo que acumulou mais de USD 8 milhões em sua discreta vida.

    Quando realizamos o trabalho de planejamento patrimonial dos nossos clientes, o tema da adequação da diversificação e renda dos portfólios vis-à-vis as necessidades de recursos de curto, médio e longo prazo sempre é um dos pontos de extrema importância, pois a matemática será impiedosa, ao se gastar mais do que os rendimentos, o capital será consumido.

    A política que trata sobre a relação entre gastos e receitas no âmbito do governo, como todos sabem, chama-se política fiscal.
    Para ajudar o leitor a entender melhor algumas das questões acerca do tema, Fabio Giambiagi no livro “Capitalismo, Modo de Usar” diz o seguinte: “pode-se ter a opinião política que quiser em relação a ajuste fiscal, superávit primário etc., mas o fato é que gostem ou não as autoridades, desequilíbrios fiscais se traduzem no indicador de poupança doméstica, que define no longo prazo a capacidade de crescimento de um país” e, por fim, demonstra como a cultura nacional mantém viva a noção de que a solução de todos os problemas viria dos favores estatais, ao defender uma forte presença do Estado. A previdência foi um importante exemplo deste equívoco, por isso que quando o novo ministro da previdência ao propor “desfazer” a reforma da previdência foi duramente criticado.

    Os próximos passos do novo governo serão bastante importantes no sentido de propor um novo arcabouço fiscal exequível que possa manter estável a relação da dívida
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    Como é de amplo conhecimento, no final do ano passado foi aprovada no Congresso Federal a PEC de Transição. Apesar de durante a sua negociação ter sido um pouco “desidratada”, ainda assim o valor ficou acima das expectativas que seriam prudentes para manter adequada a relação Dívida/PIB. Importante reforçar neste momento que as despesas relativas ao social, que por unanimidade há concordância da sua necessidade, os valores aprovados ficaram acima da questão social mesmo que o “argumento” utilizado para justificar, no final do dia, tenha sido o social. Pode-se argumentar que a relação Dívida/PIB a ser analisada deveria ser a liquida e não a bruta, ou ainda que pela dívida do governo ser doméstica e não internacional não haveria o risco de crédito.
    Afinal das contas, na questão da dívida soberana não é o próprio governo que determina a taxa Selic e por consequência a estrutura da curva de juros? Independentemente da argumentação utilizada, a questão central será a transparência e credibilidade do novo plano de voo, pois um ponto importante na negociação da PEC com o congresso foi o período de um ano, portanto, o novo governo terá que apresentar uma nova proposta de equilíbrio fiscal.


    No final de 2012 foi proposta pela Secretaria de Políticas Econômica, SPE, então vinculada ao ministério da Fazenda, um alongamento “obrigatório” do prazo médio (de repactuação) das carteiras dos fundos de previdência. O objetivo era “nobre” alongar os títulos públicos federais através de um comprador natural e cativo destes ativos. No entanto, a estratégia não foi
    bem-sucedida, pois com o aumento da duração destas carteiras, naturalmente aumentou também a oscilação dos fundos de previdência de renda fixa cujos investidores não estavam acostumados a grandes solavancos. Resultado foi que em 2013 os fundos de previdência apresentaram a primeira captação negativa desde que a nova regra de fundos PGBL e VGBL foi criada.

    Para não causar maiores estragos foi proposta uma saída honrosa para o problema podendo utilizar do mercado derivativo para fazer proteção. Moral da história, políticas públicas equivocadas, mesmo que bem-intencionadas podem gerar efeitos adversos.

    O caminho natural e mais rápido para abaixar a taxa de juros é mostrar prudência fiscal, principalmente para país como o Brasil no atual momento do ciclo de redução inflacionária. Perder esta oportunidade não seria apenas ilógico do ponto de vista da retomada do crescimento, mas também bastante custoso para as contas públicas (e representaria, no final do dia, menos recursos para o social). Desta maneira, os agentes financeiros estarão de olhos voltados para a proposta do novo arcabouço fiscal. Projeta-se que o déficit primário será um pouco acima de 1,5% do PIB em 2023, o que deixaria o indicador dívida bruta/PIB ligeiramente abaixo de 80%. Portanto, se o governo implementar uma nova proposta fiscal crível, haveria espaço para flexibilização monetária o que seria positivo para os ativos de risco.


    Um outro tema importante da discussão será a reforma tributária. Estão em discussão várias propostas de emenda à Constituição e projeto de lei, sendo a mais famosa a PEC 45/19, cuja participação de autoria é de Bernard Appy, secretário especial para reforma tributária. Sobre os temas discutidos um dos mais importantes será a unificação dos tributos em relação ao consumo criando uma espécie de Imposto sobre Valor Agregado (IVA), assim como também a tributação sobre dividendos e um sistema tributário mais progressivo onde os ricos paguem mais impostos e os pobres menos.

    Em dezembro, o desempenho dos mercados domésticos, bolsa, juros futuros e dólar continuaram “ao sabor” e solavancos das noticiais políticas que vinham de Brasília, muito mais do que dos indicadores econômicos. O CDI encerrou o mês com valorização de 1,12% no mês e 12,37% no ano de 2022, a bolsa teve desempenho de -2.45% em dezembro e 4,69% no ano e o dólar comercial Ptax -1,44% e -6,50% respectivamente.

    No cenário internacional voltou a preocupação com o aperto monetário e a consequente queda da atividade, o S&P 500 teve uma valorização de -5,9% no mês e -19,65% no ano e a bolsa Nasdaq obteve resultados negativos -8,73% no mês e -33,51% no ano, fortemente impactada pelas empresas de tecnologia.
    O mercado acionário chinês continuou se valorizando em dezembro, com a reabertura do país, apesar da mudança da política de Covid Zero ter sido realizada de forma radical e atabalhoada, gerando aumentos significativos de casos de Covid e ameaças de possíveis novas variantes. A China religada deverá gerar impactos positivos para o crescimento mundial em 2023 e beneficiando mercados emergentes e ligados a commodities como o Brasil.

    Um Feliz 2023 a todos!

     

  • Carta Mensal – Novembro 2022

    “E agora José?”

    Carlos Drummond de Andrade.

    No último dia do mês de outubro, já com o conhecimento do resultado das eleições, o mercado acionário abriu com o pré-mercado de Nova York em queda de 5% e logo depois, na abertura da B3, o Ibovespa apresentava um declínio de 3%. No entanto, ao longo do dia, este quadro se reverteu e entre altas e baixas o Ibovespa fechou com valorização 1,31%. Por outro lado, as ações de estatais como Petrobrás e Banco do Brasil tiveram forte realizações, com desvalorização de 8,5% e 4,5% no dia respectivamente, apesar de apresentarem valuations, avaliação dos ativos em relação ao preço justo, bem mais atrativos que os seus congêneres. Isto ocorre, pois os investidores, principalmente os estrangeiros, estão aguardando maiores definições sobre a política econômica do próximo governo, assim como, ajustando os portfolios a possíveis cenários de maiores intervenções nas estatais. Desta maneira, o Ibovespa fechou o mês com alta de 5,45%, o dólar Ptax -2,77% e o CDI seguindo sua toada de 1,02% ao mês.

    Normalmente começamos com o cenário externo, no entanto, desta vez revertemos a ordem e focamos primeiramente no cenário local devido à importância dos eventos durante o mês. Ledo engano, aqueles que acharam que após a eleição teríamos uma definição mais clara sobre o cenário econômico nacional. Após a vitória bastante apertada de Lula para presidência da República, encontramos um país dividido, mas que se mostrou também democrático e civilizado, apesar das discussões agressivas nas redes sociais. Neste contexto, os meios de comunicação muitas vezes pareciam colocar mais lenha na fogueira do que apaziguar as relações, apesar de defenderem, no final do dia, o estado democrático de direito.

    Agora os próximos passos do novo governo precisam ser endereçados e com agilidade para que possamos ter uma melhor clareza das políticas econômicas e sobretudo o quão responsável será o tratamento do dinheiro do contribuinte. Dito isto, os investidores aguardam as definições do time do novo governo tanto em relação aos principais ministérios como também das autarquias como BNDES e das Estatais. Não menos importante, será a definição do modelo de ancoragem das contas públicas seja para financiar os projetos sociais, seja para dar transparência e credibilidade dos demais gastos e investimentos, pois o governo terá um grande desafio em manter a dívida em patamar sustentável.

    A independência do Banco Central, neste momento, mostrou toda sua importância. O simples fato de não estar em discussão ou não haver a incerteza de quem será o presidente do banco neste momento é um grande avanço para manutenção da estabilidade da política monetária.

    Após o impeachment de Dilma e início do governo Temer, mesmo que aos trancos e barrancos, tivemos importantes evoluções como a reforma trabalhista e a reforma previdenciária, além de marcos importantes nas regras de infraestrutura e concessões, melhora significativa de governança e gestão das empresas estatais, que nitidamente foram refletidas em seus resultados operacionais e financeiros.

    Destaque também pela virada de gestão e melhora da atuação do BNDES, com o foco nos “heróis nacionais” e não subsídios e direcionamento equivocados dos recursos que tanto contribuíram no passado para o aumento do déficit público.

    Estas evoluções, não somente não deveriam ser revertidas, como deveriam ser sim continuadas. Seria ingênuo acreditar em uma reforma administrativa neste atual cenário e com o novo governo, não obstante, deveria ser perseguido já no ano que vem uma reforma tributária que possa trazer mais eficiência para as empresas e por consequência geração de emprego, afinal a nossa carga tributária é comparável em proporções ao PIB de países escandinavos, mas sabidamente não temos a contrapartida em termos de serviços públicos.

    No âmbito internacional, outubro normalmente famoso por quedas historicamente horríveis no mercado de ações, como as de 1929, 1987 e 2008, contrariando a tendência histórica, apresentaram uma trégua no mês de um ano ainda bastante ruim. A bolsa americana registrou alta de quase 8%, mas ainda acumula um retorno negativo de 18,76% no ano e o MSCI Global (índice global de ações) apresentou uma evolução de 5,96% no mês, reduzindo a queda para 22,32% no ano. Outubro também é período de divulgação de balanços das empresas americanas, que começaram com o reporte de resultados positivos das instituições financeiras, enquanto no final do mês foram apresentados os resultados das Big Techs, em geral decepcionantes, com exceções de empresas como Netflix.

    A inflação continua como tema de maior preocupação dos economistas. A ação do FED em calibrar o aumento da taxa de juros está ligada ao mercado trabalho dos EUAs, que está ainda aquecido, e a renda em patamar elevado para que a inflação possa voltar ao nível pré-pandemia, necessitando doses extras de aumento dos juros e a permanência da taxa elevada para os padrões históricos recentes.

    Após pronunciamento, mesmo que breve, do Presidente da República, mas deixando claro que atuará dentro das quatro linhas da constituição, com o passar dos dias e a aproximação da Copa do mundo de 2022 em 20 de novembro (paixão brasileira pelo tema), provavelmente as atenções estarão mais voltadas para o desempenho da seleção brasileira do que o resultado das urnas.

    Não obstante, ao intervalo da copa do mundo, a lua de mel do novo governo será bastante curta. Como muito bem analisado pelo jornalista Willian Waack: “A pequena diferença com que Lula venceu diz muito sobre o tamanho com que o eleitorado de centro-direita sai destas eleições, considerando as majoritárias e as proporcionais… Lula vai enfrentar um Congresso com poderes que não existiam há 20 anos. Minas, Rio e São Paulo terão governadores que se opuseram a ele. O principal problema será provar que existe só mesmo um Brasil.” Sem tempo para uma lua de mel com sua recém esposa.

    VOCÊ MARCHA, JOSÉ!

    JOSÉ PARA ONDE?

     

     

     

     

  • Carta Mensal – Outubro 2022

    “A riqueza tem as suas vantagens, já a pobreza, embora tenha feito algumas tentativas nesse sentido, nunca provou ser vantajosa.”

    John Kenneth Galbraith.

    O terceiro trimestre do ano finalizou com os mercados internacionais sentindo o peso da decisão da última reunião do FED, além da sinalização de que o Banco Central do principal mercado do mundo realmente fará valer a sua mensagem principal: “To do Whatever it takes to control inflation” isto é, que fará os ajustes necessários, principalmente, de elevação na taxa de juros para conter a inflação, que atualmente está no patamar de 8,3% e que para trazer ao nível de equilíbrio de 2% terá que ter uma atuação mais assertiva. O custo mais evidente dessa política será uma recessão nos Estados Unidos, no entanto, a grande questão será qual a intensidade e em quanto tempo a taxa de juros deverá permanecer em um patamar elevado para atingir a meta de inflação.

    O livro de John Kenneth Galbraith, “A Era da Incerteza”, escrito no final da década de 70, que posteriormente popularizou-se com um documentário na rede BBC, nos parece bastante atual. O período no qual o livro foi escrito englobou também a crise de baixo crescimento econômico com o aumento dos preços – estagflação e conflitos geopolíticos. O livro aborda a evolução da economia desde os primórdios, a partir de Adam Smith, Thomas Malthus e David Ricardo e propõe a ideia de que as incertezas na economia estão diretamente ligadas à inconstância do comportamento humano com relação aos fatos econômicos ocorridos. Curioso observar que quando iniciou a guerra entre a Rússia e Ucrânia, temia-se que o presidente Putin fortalecido poderia avançar o conflito para outros territórios e escalar a ameaça bélica. Agora, observamos justamente o oposto, isto é, o Kremlin enfraquecido devido aos enormes percalços durante os combates com o exército ucraniano faz com que o temor agora seja um Putin enfraquecido, que poderia recorrer a arsenais nucleares táticos para tentar reverter sua “vergonhosa” derrota. Guerra esta, que trouxe consequências inimagináveis quando se pensava que os gasodutos russos seriam uma solução adequada para abastecimento da necessidade energética de boa parte da Europa. Desde a guerra comercial de Trump, o risco geopolítico tem se mostrado mais importante do que na última década para questões estratégicas como fornecimento de energia, cadeia de suprimentos, e, por que não, investimentos.

    Os mercados acionários dos países desenvolvidos e globais tiveram grandes realizações no mês de setembro, com a bolsa americana registrando queda de 9,35% e acumulando quase 25% negativo no ano e o MSCI Global (índice global de ações) com redução de 9,74% no mês e baixa de 26,69% no ano. Isso nos mostra que o ajuste já foi relativamente elevado. Historicamente, trata-se de uma correção significativa, mas bastante plausível se levarmos em consideração o tamanho do ciclo de alta que se iniciou em meados de 2009 e durou até 2021 conforme podemos observar nos gráficos abaixo. Para o investidor internacional, de uma maneira geral, essa crise tem se mostrado particularmente dolorosa, pois diferente do movimento tradicional das grandes quedas dos mercados acionários, onde há uma compensação de valorização com ativos de renda fixa, neste momento a correlação tem se mostrado próxima a 1, o que representa que os ativos caem e sobem juntos sem o efeito positivo do ganho com a diversificação.

    Não obstante, enquanto elaboramos esta carta mensal, nos dois primeiros dias do mês de outubro, os índices tiveram uma recuperação de mais de 5%, mostrando, assim, o quão errático está o comportamento dos investidores no atual momento.

    É muito difícil dizer se este ajuste já atingiu 50%, 70% ou 100% do movimento total, mas parece razoável dizer que os preços ativos e as taxas dos bonds recompuseram boa parte dos prêmios. De qualquer forma, eventos como decisões bélicas radicais por parte do Kremlin são difíceis de serem inseridas em qualquer modelo de probabilidades baseados em dados históricos.

    A China continua tendo desempenho econômico abaixo do esperado, seja pelas iniciativas de covid zero e lockdowns, como pelo mercado imobiliário emperrado e políticas econômicas bastante intervencionistas em diversos setores tidos com estratégicos. Em contrapartida, a Índia tem liderado o crescimento econômico, com expectativa de elevação do PIB próxima a 5%. As transformações da economia da Índia têm qualidades importantes, que lembram a América do século XIX. Um vasto mercado nacional está sendo criado, permitindo que as empresas cresçam a partir de economias de escala. A migração interna está deslocando dezenas de milhões de pessoas pobres, uma nova classe de consumidores está se proliferando e fortes empresas estão se consolidando com base em novas tecnologias.

    No Brasil, apesar da dominância do tema da eleição e por mais polarizadas que possam estar as discussões políticas e as trocas de mensagens nas redes sociais, os mercados financeiros têm se comportado bem e na medida do possível, distanciado das fortes realizações dos mercados desenvolvidos. Seja por motivos bastante abordados como o aperto monetário que se iniciou bem anteriormente dos demais países, seja porque os nossos ativos já se encontravam bem mais desvalorizados com as quedas do segundo semestre do ano passado. Por aqui, o CDI encontra-se em patamar muito alto, com retorno próximo de 1,1% ao mês, fazendo a alegria dos rentistas, enquanto os ativos de risco também tiveram, em geral, um bom rendimento mês contra mês, mas não sem volatilidade.

    Como não poderíamos deixar de abordar, o resultado do primeiro turno das eleições trouxe um otimismo para os mercados, seja pela percepção de que, para manter a liderança no segundo turno, Lula teria que fazer uma migração mais ao centro e ter mais responsabilidade fiscal, seja porque o resultado mais apertado aumentou a chance percebida de reeleição do Presidente Bolsonaro em 30 de outubro. O primeiro turno trouxe uma visão que teremos um Senado e Câmara de Deputados mais conservadores, o que melhora a percepção de que propostas radicais de mudanças de reformas já conquistadas não seriam bem-vindas ou mesmo aprovadas. O maior perdedor no primeiro turno das eleições foi, na verdade, os institutos de pesquisas que tiveram erros significativos de diagnósticos, mais evidente nas pesquisas para governador do Estado e senador. Para recuperar a credibilidade, com certeza, precisariam rever suas metodologias.

    Seja qual for o resultado em 30 de outubro, como muito bem disse o presidente do BNDES, Gustavo Montesano, no evento Macro Day de 2022 sobre o real papel dos bancos públicos e mudanças importantes de atuação que trouxeram resultados positivos visíveis do “desemparelhamento” das instituições públicas: “o importante é que vamos errar diferente e principalmente vamos aprender com os nossos erros, pois somente assim, podemos evoluir”.

     

     

     

     

     

     

     

  • Carta Mensal – Agosto 2022

    “Medo, ganância e esperança destruíram mais valor de portfólio do que qualquer recessão ou depressão pela qual já passamos.”

     James O’Shaughnessy

    Em julho, o mercado internacional registrou um tom mais favorável para ativos de risco a partir da queda relevante nos yields dos títulos longos americanos e performance positiva das bolsas de países desenvolvidos. Esse comportamento foi semelhante, quando comparado à performance dos ativos brasileiros, com alta de 4,69% do Ibovespa no mês. Se no começo do ano a narrativa dominante no mercado era a inflação alta e a necessidade de subidas de juros nos países desenvolvidos, hoje o mercado parece operar com um cenário de leve recessão e inflação mais fraca.

    No cenário internacional, os dados econômicos seguem mostrando sinais de desaceleração da economia global. Os Estados Unidos registraram o segundo trimestre consecutivo com contração de PIB. Apesar dos dados já indicarem uma desaceleração da demanda, parece cedo para dizer que os Estados Unidos estão em recessão, uma vez que o mercado de trabalho segue muito forte e as empresas seguem tendo resultados positivos.  Algumas fontes de pressão na inflação global, como preços de commodities e questões de disrupção na cadeia de suprimentos dão sinais de melhora. Há pistas de que estamos próximos do pico da inflação global. No entanto, por conta do nível ainda alto da inflação versus as metas de política monetária, não necessariamente isso significaria que chegamos ao final das altas de juros, que até agora não parecem suficientes para conter os desvios inflacionários.

    Na reunião de julho, o Fed realizou o segundo aumento 0,75% na sua taxa de política, levando a meta do Fed Funds para o intervalo entre 2,25%-2,5%. Na reunião após o FOMC, o Chairman Jerome Powell comentou que a taxa de juros já está próxima do patamar considerado neutro e não se comprometeu com uma próxima alta de 0,75%, o que aliviou as condições financeiras e provocou um rally na bolsa americana. O movimento observado parece ter pouco fundamento, visto que ainda parece faltar muito para o Fed atingir a sua meta de inflação de 2%. Nos parece que a taxa terminal, isto é, do final do ciclo de aumentos da taxa de juros americana está mais para 3,5% a 4% ao ano do que para o patamar atual de juros futuros projetado. As autoridades monetárias parecem estar em um paradoxo de não causar uma recessão mais severa e nem aliviar as condições financeiras antes da inflação estar controlada. Talvez por isso os bancos centrais estejam usando cada vez menos o forward guidance, ferramenta de política que antevê passos de política tentando influenciar as expectativas do mercado sobre os níveis futuros das taxas de juros.

    No Brasil, o IPCA de julho registrou a primeira deflação mensal nos últimos dois anos e a maior da série histórica após o Plano Real. Os principais responsáveis por essa deflação mensal foram os preços de energia e combustíveis, afetados pela redução no preço da gasolina vendida pela Petrobrás, a PEC do teto para o ICMS dos combustíveis e de energia, além da redução tarifária extraordinária para a energia elétrica, aprovada pela ANEEL em julho. Por outro lado, os componentes domésticos da inflação mostram sinais negativos, como a inflação de serviços que segue acelerando desde dezembro de 2021 e acumula quase 9% em 12 meses. Após a aprovação da chamada “PEC das Bondades” a atividade segue sendo revisada para cima e os dados de mercado de trabalho mostram forte criação de vagas no setor de serviços, com salários aumentando e queda da taxa de desemprego. O Copom elevou a taxa selic meta em mais 0,50% na sua reunião de agosto, de 13,25% para 13,75% ao ano. Mesmo com o aumento das expectativas inflacionárias para 2023, revisões altistas para atividade e incertezas com relação à política fiscal, o Banco Central deixou a entender que deve terminar o ciclo de alta com a Selic em 13,75%, mas deixou a porta aberta para um improvável ajuste residual de 0,25% na próxima reunião.

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