A eleição norte-americana é, sem dúvida, um assunto que poderíamos discorrer abordando diversas frentes. Após trazermos o funcionamento do pleito, assim como, uma breve apresentação dos candidatos e o que cada um pensa em questões chave, pensamos em dar uma continuação, já que ela será, tudo indica, a mais controversa de todos os tempos.
Gráfico de intenção de votos segundo o site RealClearPolitics.
Elaboração: Taler
Eleições no radar dos investidores
Já foi citado e não precisamos repetir o peso que um evento como esse possui nos mercados. Segundo o jornal Valor Economico, uma pesquisa global realizada pelo Grupo deVere, uma das maiores organizações independentes de consultoria financeira do mundo, perguntou a mais de 700 clientes: “Qual é a sua maior preocupação de investimento para o resto de 2020?” 72% dos entrevistados disseram que uma eleição contestada dos EUA é o maior risco. Em segundo lugar, o impacto de uma segunda onda de covid-19 foi mencionado 18% e, por fim, a guerra comercial EUA-China, com 5%. Os 5% restantes foram compostos por outras questões geopolíticas, como o Brexit.
Calendário
Já apresentamos as principais diferenças entre a eleição nos EUA e no Brasil. Por isso, não vamos entrar novamente nelas. Mas destacamos que a principal diferença é que a eleição lá é no esquema “winner takes all”, ou seja, se o candidato ganhou por 1 voto em certo estado ele leva todos delegados correspondentes e não sua proporcionalidade.
Outro ponto de diferença marcante é que nos EUA os votos não acontecem apenas no dia da eleição, como no Brasil. Mas por lá, por o voto não ser obrigatório, a votação começa bem antes.
A partir de setembro, os eleitores podem visitar um local de votação ou votar por carta. Para essa eleição a expectativa é que até 70 milhões de pessoas votem pelos correios, um número 3 vezes superior quando comparado às eleições de 2016. Para se ter uma ideia de quão relevante é esse número, isso é representa quase metade dos cidadãos aptos a escolher seus representantes.
Mas votar pelo correio não é tao simples em todo país e funciona de maneira diferente dependendo do estado. Podemos separar o modo como é feito em 3 maneiras:
a) Como e quem pode votar: todos os estados americanos permitem. Mas ao mesmo tempo, cada um deles pode ter sua própria regra eleitoral. Nove estados enviam células para todos os eleitores automaticamente, sem requerimento prévio. Nos outros 41 é preciso solicitá-las, sendo que em 5 deles é pedido uma justificativa para votar à distância. Não há custos para o envio. Mas alguns estados tornam a experiência um pouco mais difícil, adicionando burocracias;
b) Prazos: em alguns estados, como em Indiana, é preciso pedir a célula com no mínimo 2 semanas de antecedência do pleito, já em outros, como Ohio, por exemplo, isso pode ser feito em até 3 dias;
c) Apuração: da mesma forma, cada um dos estados tem seu prazo e forma. A Flórida, para exemplificar, inicia a contagem 22 dias antes da eleição, Colorado 15 dias antes, Arizona 2 semanas antes. Seis deles, no entanto, não permitem a contagem antes do dia oficial (Pensilvânia, Wisconsin, Dakota do Sul, Wyoming, Mississípi e Alabama), o que pode significar que o resultado pode demorar a sair por mais de 1 semana;
Além disso teremos debates, não só dos presidenciáveis, mas também dos vices.
Primeiro debate dos Presidenciáveis
Ocorreu no dia 29 do mês passado. Foi vergonhoso e pouco proveitoso para os eleitores tomarem algum tipo de decisão. Marcado por troca de acusações e constantes interrupções por parte do republicano, que obrigaram o mediador a intervir em mais de uma ocasião.
Joe Biden, conhecido pela dificuldade na oratória, estava sob escrutínio. Segundo a mídia especializada, seu desempenho foi em linha com o esperado. O democrata usou palavras pesadas como ‘cale a boca’, ‘palhaço’ e ‘racista’ numa tentativa de interromper os ataques do republicano.
Biden atacou o presidente sobre temas relevantes e polémicos, como o modo como lidou com a pandemia, tentativas de derrubar o Obamacare e falha ao apresentar propostas alternativas para eles.Já Trump assumiu postura mais agressiva, se utilizando das interrupções para mudar o foco do debate quando conveniente. Em geral, o presidente buscou associar Biden à ala “radical” e “socialista” do partido democrata e soube pressionar seu adversário sobre temas como os negócios no exterior de seu filho, Hunter Biden.
Debate dos vices
O debate entre Kamala Harris e Mike Pence na noite do dia 7/10 foi marcado pela cordialidade entre os candidatos à vice-presidência dos Estados Unidos, tom bem diferente do clima acalorado entre Donald Trump e Joe Biden no primeiro debate.
Ambos são potenciais candidatos à presidência para as eleições de 2024. Donald Trump não poderá concorrer a um terceiro mandato, enquanto Biden, com 82 anos no próximo pleito, já adiantou a possibilidade de não ser candidato à reeleição.
Kamala chamou o modo como Trump lidou com a pandemia de “o maior fracasso”. Também destacou que caso Trump recomendasse uma vacina ela não a tomaria. Afirmação prontamente rebatida por Pence, que disse: “pare de fazer jogos políticos com a vida dos americanos”. Impostos foi outro ponto bastante explorado por ambos, com o vice de Trump acusando Biden de tributar ainda mais os americanos.
A guerra comercial sino-americana também foi muito debatida. De um lado Pence acusou Biden de associação com o Comunismo, de outro Harris disse que a guerra acelerada por Trump custou centenas de milhares de desempregos nos EUA.
Outro ponto bastante polemico foi a vaga na Suprema Corte, onde Trump indicou a juíza Amy Coney Barrett. Pence, lógico, defendeu a iniciativa. Já Harris, disse que o mais sensato seria o próximo presidente tomar essa decisão.
Segundo a rede de notícias CNN, Kamala Harris se saiu melhor no debate.
Por que essa vaga na Suprema Corte é tão polêmica?
Até então, a Suprema Corte americana era formada por nove juízes, sendo 5 conservadores e 4 progressistas. Com o falecimento de Ruth Ginsburg, Donald Trump correu para indicar a nova sucessora e o nome cogitado foi de Amy Barret, conhecida pelo conservadorismo em suas decisões, o que manteria a atual divisão. Com sua posse, 6 dos nove juízes consolidará uma maioria indicada por Republicanos.
É com essa maioria que Donald Trump espera que se saia vitorioso em temas que seriam decididos pela Corte. Alguns deles bastante polêmicos. Entre os principais:
- Obamacare: Trump é contra. Ele espera que a Suprema Corte anule esse texto;
- Aborto: Trump, que defendeu o direito das mulheres ao aborto no passado, agora se opõe à prática, uma questão muito importante para eleitores da direita religiosa;
- Posse de armas: Trump prometeu proteger a Segunda Emenda à Constituição, que muitos americanos interpretam como garantia ao direito de adquirir e portar armas;
- Eleições: com suas denuncias, sem provas, que o voto por correspondência pode ser objeto de fraude, uma possível disputa eleitoral pode precisar ser resolvida na Corte;
Não só o salão oval está em jogo
Abordamos com frequência quem será o próximo presidente, mas sabemos que ele não governa sozinho. Ele precisa de apoio do congresso, formado pelo Câmara dos Representantes (Camara dos deputados) e pelo Senado.
Com isso, está em jogo todas as 435 cadeiras da Camara e 35 das 100 posições do Senado.
De acordo com as mais recentes pesquisas divulgadas, há 99% de chance de os Democratas possuírem maioria na camara dos representantes, com uma representatividade que pode variar entre 50-56% do total. Ou seja, os democratas podem ficar com entre 220 e 262 posições.
Já no Senado, atualmente controlado pelos Republicanos, das 100 cadeiras existentes, 45 são Democratas, 53 Republicanos e 2 são independentes. Das 35 vagas em disputa, 12 são Democratas e os 23 restantes são Republicanos. Quando se iniciaram as pesquisas, era praticamente dado como certo se manter a maioria Republicana na casa.
Os números atuais não estão tão altos a favor dos Democratas como estão na Camara, mas ainda sim bastante expressivos. As últimas pesquisas mostram em torno de 70% de chance de ficarem entre 47-57 cadeiras e, assim, assumir a maioria também.
Quais as consequências?
Excluindo os fatores chaves que abordamos no relatório passado, pontos que poderiam afetar mais o dia-a-dia dos cidadãos, podemos abordar 3 fatores com impactos significativos.
a) Eleição contestada: como descrevemos acima, há uma confusão na maneira como funciona a votação pelos correios, pelo menos 300 ações judicias já questionam aspectos dela. Os processos vêm dos dois lados, democrata e republicano, mas, com certeza, por motivos diferentes. Pesquisas mostram que mais democratas vão votar pelos correios esse ano. Os republicanos, por sua vez, tentam restringir essa maneira de votar, alegando possíveis fraudes. Não há indícios de fraudes consideráveis na história das eleições americanas e nem que possa acontecer dessa vez.
Esse questionamento republicano tem uma razão bem forte. Como mais democratas já afirmaram sua preferência de votar de maneira remota, o que pode acontecer é que no início da contagem Donald Trump possa aparecer na dianteira e que essa liderança desapareça nos dias seguintes, conforme os votos que foram enviados pelos correios comecem a ser apurados (blue shift). Esse fenómeno é chamado pela imprensa de “miragem vermelha”. Isso acabaria sendo o maior temor dos analistas. Trump poderia usar essa liderança parcial e posterior perda como argumento de fraude e, assim, adicionar mais incerteza e, consequentemente, volatilidade.
b) Formação do Congresso e possíveis apoios: Na média de opiniões de analistas uma vitória de Biden em novembro com os democratas reconquistando o controle do Senado pode resultar em um grande aumento nos impostos e nos gastos federais, junto com uma mudança nas políticas de saúde, regulatórias e comerciais.
A maior divisão entre os dois candidatos é sobre impostos e gastos. Biden apoia medidas que, se aprovadas na íntegra, aumentariam as receitas e despesas federais em mais de US$ 4 trilhões, ou 10% em relação aos níveis pré-pandêmicos, segundo cálculos da Capital Economics.
No cenário com Trump vencendo a reeleição, e os republicanos se mantendo no Senado, ajudaria nas aprovações de suas propostas. Suas chances de reconquistar a Câmara parecem cada vez menores, o que deixaria o Congresso dividido. Ao contrário de Biden, Trump expressou apoio a outra rodada de cortes de impostos.
Qualquer uma das propostas exigiria controle total do Congresso para avançar. Embora seus planos impliquem um tamanho muito diferente do governo federal nos próximos anos, é improvável que isso importe muito para as perspectivas econômicas, porque sob qualquer um dos candidatos a política fiscal permaneceria acomodatícia.
c) Impactos nos mercados: Tudo isso pode ter influência sobre o desempenho do mercado de ações, mas, com a política fiscal e monetária permanecendo frouxa não importando quem vença, a eleição pode ter um impacto secundário sobre as perspectivas de crescimento econômico para os próximos anos.
Em resumo, ambas as agendas possuem pontos positivos e negativos:
- Do presidente Trump inclui: aspectos positivos como impostos corporativos baixos, menos regulação governamental e projetos de infraestrutura; e aspectos negativos como mais incerteza em relação a tratados comerciais e a China;
- Do candidato Biden: aspectos positivos, como a redução da desigualdade de renda, a promoção da energia limpa, gastos com infraestrutura e mais previsibilidade com relação à política comercial e a China; e aspectos negativos, como um aumento nos impostos corporativos e mais regulação governamental;
E a China?
Talvez essa possa ser a principal questão para a economia global. Joe Biden, possivelmente, adotaria uma abordagem menos agressiva, mas não impediria uma maior dissociação com a China.
Segundo a Capital Economics, a distância que se formou entre a China e os EUA foi causado pelo surgimento da China como um competidor geopolítico dos EUA, e não pela personalidade de Donald Trump em si. A pandemia apenas reforçou a ênfase do país asiático em seu modelo liderado pelo Estado, focado na promoção da inovação doméstica. Portanto, sob qualquer um dos candidatos, a guerra “comercial” provavelmente se espalhará para novos limites no acesso ao mercado e fluxos de tecnologia (e possivelmente finanças).
No entanto, Biden provavelmente adotaria uma abordagem diferente para lidar com a ameaça da China. Em particular, sua ênfase seria na construção de uma coalizão de aliados para resistir as investidas chinesa. Isso poderia ajudar a fortalecer as relações dos EUA com a Europa em particular, e a dar um novo fôlego ao multilateralismo.
No fim das contas:
Independentemente de quem assuma a Casa Branca e da composição do Congresso em janeiro de 2021, uma recuperação econômica gradual e o apoio contínuo do FED aos mercados financeiros podem significar que as perspectivas para as ações dos EUA são promissoras.
Referências Bibliográficas
https://www.capitaleconomics.com/us-election-2020/
https://www.cnbc.com/elections/
https://www.nytimes.com/interactive/2019/us/elections/2020-presidential-election-calendar.html
https://projects.economist.com/us-2020-forecast/house
https://valor.globo.com/wall-concurrence/?next=https://valor.globo.com/financas/noticia/2020/09/29/eleicao-nos-eua-entra-de-vez-no-radar-do-investidor.ghtml
https://valor.globo.com/financas/coluna/implicacoes-da-eleicao-nos-eua-para-os-investimentos.ghtml
https://projects.fivethirtyeight.com/polls/president-general/national/
https://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2020/10/06/numero-recorde-de-eleitores-vai-votar-pelo-correio-nos-eua-em-2020.ghtml
https://www.cnnbrasil.com.br/internacional/2020/10/08/covid-19-e-trump-dominam-debate-entre-candidatos-a-vice-presidencia-dos-eua?utm_source=CNN+Brasil+Newsletter&utm_campaign=36b23e0126-NEWSLETTER-5-FATOS_COPY_01&utm_medium=email&utm_term=0_8f0e69a1e0-36b23e0126-346166944
https://internacional.estadao.com.br/noticias/geral,para-entender-temas-que-sao-debatidos-na-suprema-corte-dos-eua,70003451520